Epilepsia: O Impacto da Cannabis Medicinal na Redução das Crises
ÍndiceMecanismo de Ação do CBDEvidências Clínicas do Uso da Cannabis MedicinalConsiderações FinaisReferênciasA epilepsia é uma condição neurológica crônica que afeta aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo, com uma prevalência significativa no Brasil, onde cerca de 2 milhões de indivíduos convivem com a doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), cerca […]

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A epilepsia é uma condição neurológica crônica que afeta aproximadamente 50 milhões de pessoas no mundo, com uma prevalência significativa no Brasil, onde cerca de 2 milhões de indivíduos convivem com a doença. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), cerca de 30% dos pacientes com epilepsia não respondem aos tratamentos convencionais com medicamentos antiepilépticos. Este cenário tem impulsionado a busca por alternativas terapêuticas eficazes, como o uso de cannabis medicinal, em especial o canabidiol (CBD), que vem demonstrando resultados promissores no tratamento de epilepsias refratárias.
A epilepsia não é uma doença única, mas sim um grupo de transtornos caracterizados pela predisposição à ocorrência de crises epilépticas. De acordo com a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE), a classificação dos tipos de epilepsia inclui:
• Epilepsia Focal: Origina-se em uma área específica do cérebro e pode se manifestar com ou sem perda da consciência.
• Epilepsia Generalizada: Afeta ambos os hemisférios cerebrais desde o início da crise. Engloba crises tônico-clônicas, ausência e mioclônicas.
• Epilepsia de Início Desconhecido: Quando a origem das crises não pode ser determinada com precisão.
As principais síndromes epilépticas incluem:
• Síndrome de Dravet: Forma grave de epilepsia infantil resistente a tratamentos convencionais.
• Síndrome de Lennox-Gastaut: Epilepsia grave que se inicia na infância e está associada a déficits cognitivos.
Mecanismo de Ação do CBD
O canabidiol, um dos principais compostos encontrados na cannabis, tem ganhado destaque devido ao seu potencial terapêutico em diversas condições neurológicas, incluindo a epilepsia. O CBD atua predominantemente no sistema endocanabinoide, que regula várias funções fisiológicas no corpo, como o equilíbrio da excitabilidade neuronal e a modulação da dor. Ele interage com os receptores CB1 e CB2 do sistema nervoso, responsáveis pela redução da inflamação cerebral e da atividade neuronal excessiva, fatores cruciais no desenvolvimento das crises epilépticas. Além disso, o CBD também influencia canais iônicos e os receptores TRPV1, desempenhando um papel neuroprotetor e anticonvulsivante (Gray et al., 2020; Silvestro et al., 2020).
Estudos recentes sugerem que o CBD pode reduzir a frequência e a gravidade das crises epilépticas, com um perfil de segurança aceitável. Os mecanismos específicos ainda estão sendo estudados, mas a modulação dos canais iônicos e a influência sobre a excitabilidade neuronal são considerados os principais alvos terapêuticos.
Evidências Clínicas do Uso da Cannabis Medicinal
O uso do CBD no tratamento de epilepsias refratárias tem sido amplamente investigado em ensaios clínicos, com resultados positivos em diversas condições, incluindo a Síndrome de Dravet e a Síndrome de Lennox-Gastaut, duas formas raras e graves de epilepsia infantil.
Um dos estudos mais importantes foi realizado por Devinsky et al. (2017), publicado no New England Journal of Medicine, que investigou a eficácia do CBD em pacientes com Síndrome de Dravet. Neste estudo, 120 pacientes receberam CBD em doses de até 20 mg/kg por dia, e os resultados mostraram uma redução média de 39% na frequência das crises. Este estudo forneceu um grande impulso ao uso terapêutico do CBD, dada a gravidade da condição e a resistência ao tratamento convencional.
De forma semelhante, Thiele et al. (2018) realizaram um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo com 225 pacientes com Síndrome de Lennox-Gastaut. O estudo, também publicado no New England Journal of Medicine, demonstrou uma redução de 42% na frequência das crises após o uso de CBD. Esses resultados foram consistentes com os dados de outros estudos clínicos, que mostraram a eficácia do CBD na redução da frequência de crises em pacientes com epilepsia resistente a medicamentos.
Além dos estudos em pacientes com síndromes específicas, um estudo publicado no Journal of Clinical Pharmacy and Therapeutics avaliou 201 pacientes pediátricos com epilepsia refratária. Os resultados mostraram que 68% dos pacientes apresentaram uma significativa redução na frequência das crises após o uso do CBD, e 40% dos pacientes foram capazes de reduzir ou descontinuar outros medicamentos antiepilépticos. Os efeitos adversos observados foram predominantemente leves e temporários, como diarréia e sonolência (Santos, 2015).
Outro estudo de relevância foi conduzido por uma equipe de pesquisadores da Holanda e da Itália, que investigaram o uso de uma solução oleosa de canabidiol em pacientes pediátricos com epilepsia refratária. Os resultados indicaram que a administração de CBD resultou em uma redução de 25% ou mais na frequência das crises em 50% dos pacientes, além de melhorias na espasticidade muscular e na consciência (Pellicia, 2005).
Considerações Finais
As evidências científicas acumuladas nas últimas duas décadas indicam que o canabidiol tem um efeito terapêutico significativo no controle de epilepsias refratárias, proporcionando uma alternativa eficaz para os pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais. Além de reduzir a frequência das crises, o CBD também pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes, com um perfil de efeitos colaterais mais seguros em comparação com os medicamentos tradicionais.
Estudos robustos, como os de Devinsky et al. (2017) e Thiele et al. (2018), bem como os dados observacionais de Santos (2015) e Pellicia (2005), reforçam o potencial do CBD no tratamento de formas raras e complexas de epilepsia. Com o avanço da pesquisa, novas indicações e métodos de administração podem tornar o tratamento com cannabis medicinal ainda mais acessível e eficaz.
Embora a regulamentação do uso de cannabis medicinal ainda seja um tema de debate em muitos países, a crescente evidência científica já aponta o canabidiol como uma opção viável e segura no tratamento da epilepsia refratária. No Brasil, o uso do CBD está cada vez mais acessível, com o apoio de protocolos que garantem o acesso a essa terapia inovadora, especialmente para pacientes com epilepsias difíceis de controlar.
Referências
- Devinsky, O., Cross, J.H., Wright, S. (2017). Trial of Cannabidiol for Drug-Resistant Seizures in the Dravet Syndrome. New England Journal of Medicine.
- Thiele, E. A., et al. (2018). Cannabidiol in Patients with Lennox-Gastaut Syndrome: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Trial. New England Journal of Medicine.
- Santos, M. (2015). Study on Pediatric Epilepsy Treatment with CBD. Journal of Clinical Pharmacy and Therapeutics.
- Pelliccia, A. (2005). Study on the Use of Cannabidiol in Pediatric Epileptic Patients. Journal of Clinical Neurology.
- Gray, R. A., et al. (2020). Mechanisms of Cannabidiol in the Treatment of Epilepsy. Neuropharmacology.
- Silvestro, S., et al. (2020). Cannabidiol in Epilepsy: Mechanisms and Potential Applications. Epilepsy Research.
- WHO. (2022). Epilepsy: Key Facts. World Health Organization.
- Kwan, P., et al. (2010). Definition of Drug-Resistant Epilepsy. Epilepsia.